A pedidos, escrevo um post 100% verde-amarelo e 100% histórico. Aliás, história com charme sem igual e que testemunhei durante uns 7 anos.
Falo do maior caso de rivalidade da história do ciclismo brasileiro:
CALOI (de S.Paulo) x
PIRELLI (de Santo André). Para você, jovem que não viveu o ciclismo dos anos 70 e 80, imagine Corinthians x Palmeiras, Fla-Flu, Gre-Nal, Cruzeiro x Atletico-MG, etc. Era igualzinho!
Ao longo dos anos 70 e 80, e depois disso com algum tipo de parceria e co-patrocínio (i.e. Cairú-Caloi, Suzano/Flying Horse/Caloi ou Pirelli/Bianchi/São Caetano), estas equipes praticamente monopolizavam:
- As vitórias nas grandes provas
- As convocações das seleções brasileiras
E quando algum desconhecido vinha e vencia, Caloi e Pirelli competiam com a mesma ferocidade, com todas as suas forças, para contratar o candidato a estrela do pedal.
O pessoal da Pirelli era mais simpático, enquanto que a turma da Caloi era mais “estrela” – obviamente, generalizações são perigosas mas era assim que eu via a coisa. Ambos temíveis na estrada ou na pista.
Nos tempos em que a Federação Paulista de Ciclismo promovia campeonatos para crianças e adolescentes, estas equipes também revelavam grandes ciclistas, afinal, a briga entre elas acontecia em todas as categorias!
Fernando Louro, da Caloi, foi o grande exemplo disso: andou na ponta da juvenil até a Elite e participou de 4 Olimpíadas.
Competimos juntos na Juvenil (ele na ponta do pelotão e eu lá atrás) e até hoje pedalamos e papeamos na Cidade Universitária ou na ciclovia da Marginal Pinheiros.
Este sempre foi simpático e educado, até com os ‘pangarés’ como eu.
Na minha opinião, a melhor do Brasil
A Caloi tinha em seus estatutos que enquanto fosse controlada pela família Caloi, a empresa manteria um equipe! E assim fizeram. E com categoria.
O herdeiro e presidente
Bruno Caloi e seu fiel escudeiro na beira da pista, o urugaio
Juan Timón, mantinham equipes quase imbatíveis. Reza a lenda que quando algum ciclista não cumpria o esperado, era punido por Timon, que fazia o infeliz voltar pedalando do local da prova para o alojamento da equipe, em jornadas que podiam chegar a 250-300 km.
Naquela época, como me disse o próprio Fernando Louro outro dia, na Caloi daqueles dias periodização era vencer todos (!) os domingos do anos.
Sim, haviam corridas legais todos (!) os domingos – pelo menos no estado de São Paulo. Corríamos no autódromo de Interlagos 10 vezes por ano e nas avenidas da Cidade Universitária outras 20. Em Santos, minha cidade, tínhamos 30 corridas por ano, recebendo a visita ”dos paulistas” (como chamávamos, um tanto assombrados, a turma de Caloi e Pirelli) ao menos 15 vezes por ano. Isso tudo é história…sem presente.
Mudou, para muito pior!
Nos anos 70 a Caloi teve campeões como
Miguel Duarte da Silva Filho e seu sobrinho
Miguel Duarte da Silva Neto, ambos campeões da tradicional prova 9 de Julho. Em seguida trouxeram do Paraná
José Carlos de Lima (recém falecido) e
Gilson Alvaristo e de Santa Catarina
Jair Braga.
E, além de Louro, surgiu o “Rei de Interlagos”(
João Manoel Lourenço o “Mané Lourenço”). Juntos, estes ciclistas venceram tudo que se possa imaginar e somaram centenas de convocações para a Seleção Brasileira em dezenas de provas internacionais.
Na foto acima, aparece comendo, com um potinho na mão, aquele que é considerado o maior passista da história do Brasil, na palavra dos seus principais rivais:
Jair Braga, falecido há poucos anos, atropelado numa estrada. Braga foi (e talvez ainda seja) o Recordista da Hora, prova disputada no velodrómo da USP, em São Paulo. Na mesma foto, levantando uma roda, aparece o Diretor Técnico da equipe e da Seleção Brasileira nos anos 80:
Nelo Breda. Ele foi um dos grandes ciclistas brasileiros até 1977, sendo membro frequente da Seleção Brasileira e um tremendo conhecedor do nosso esporte.
A Caloi também teve dois dos primeiros ciclistas brasileiros a se profissionalizarem na Europa: em 1984 o ainda muito jovem paranaense
Mauro Ribeiro correu pela equipe antes de mudar-se para a Europa e se destacar pela equipe profissional francesa RMO. Mauro havia sido Campeão Mundial de Corrida por Pontos, de Juniors, e até hoje é o único brasileiro a ter vencido uma Etapa do Tour de France (em 1991). Ele também é, há muitos anos, o Diretor Técnico de nossa Seleção de Estrada. O goiano (já falecido)
Wanderley Magalhães teve uma passagem curta pela Lotto, da Bélgica, mas foi um dos ciclistas com mais classe e agressividade que eu já vi correr no Brasil - e olha que já estou nisso há quase 35 anos.
A Pirelli, sempre dirigida pelo simpático José de Carvalho (ou Zé Bica para os íntimos), foi outra máquina de formar e “roubar” ciclistas campeões. Quando resolveu se fortalecer, em 1976, contratou o meu maior ídolo no ciclismo brasileiro, o santista
Ricardo Venturelli, que corria para o então fortíssimo São Caetano EC, e trouxe do Paraná um grande passista que andava ‘trancado’ como nunca vi outro:
Ari Adolfo Mateus.
Em seguida contrataram o melhor 2a Categoria (nome dado para a categoria de acesso à 1a Categoria, hoje chamada de Elite) do país, o santista
José Cyrilo Solano Lopes. Depois vieram os imensos irmãos catarinenses
Severino e Valério Faez. Tinham também o jovem e rápido
Mario Max Mejia Terrazas, de família boliviana.
Nos anos 80, com a saída da geração acima, chegou o melhor Perseguidor Individual da história do ciclismo brasileiro,
Antonio Silvestre, que ganhou muita corrida de Estrada também (e que hoje é o Diretor Técnico da Seleção Brasileira de Pista, no lugar de Luciano Pagliarini). Também vieram do Paraná os passistas-finalizadores
Antonio Carlos Hunger e
Salvador de Abreu – lembram-se do último post? Estes dois sabiam rolar, subir e ganhar o sprint do grupo que os acompanhavam! De Santa Catarina veio o sprinter
Ailton de Souza, na minha opinião o melhor da sua geração (vencedor 2 vezes da 9 de Julho), entre tantos outros. O atual presidente da CBC,
José Luiz Vasconcellos, também foi um dos bons da Pirelli.
Destaco também a presença dos irmãos
Renato e Renan Ferraro, que andaram forte com a camisa amarela da Pirelli. Fato pouco conhecido num esporte sem história, Renan foi o primeiro brasileiro a se profissionalizar na Europa e a correr o Tour de France, em 1986, pela tradicional equipe italiana Malvor Bottechia.
Troca-troca – fato comum na metade dos anos 80 (mas não antes disso) era a troca de ciclistas de uma equipe para a outra. Grandes nomes como os velocistas
Eduardo Bifulco e Dalemar Gudin, ou os estradistas
Mazzaron,
Hunger e
Ipojuca, mudaram de lado, carregando consigo alguma dose de antipatia dos que ficavam.
Tempos recentes - O último capítulo desta história foi o recente anúncio do patrocínio da Caloi para a vencedora equipe Padaria Real. Com isso, a Caloi, que andou afastada do pelotão por uns poucos anos, voltou para onde nunca deveria ter saído. A Padaria Real conseguiu com Jean Colloca a primeira colocação do Ranking Brasileiro da Elite em 2010.
Lamentavelmente, perderam o seu campeão para a equipe de São José dos Campos antes da grana da Caloi entrar…
Enfim, aqui tem história para um livro – que irei escrever um dia – e não para um só post. Espero ter dado uma idéia desta rivalidade.
Quem estiver no Facebook e tiver interesse de conhecer mais sobre a história do ciclismo brasileiro, visite a comunidade
Museu do Ciclismo, mantida a duras penas por este blogueiro (que dificuldade é que conseguir informação…).
Abraços! FB
Fonte:
http://ciclismobrasil.wordpress.com/2011/02/20/caloi-x-pirelli/
Nos dias atuais
Ricardo Venturelli reside na cidade de Taubaté.